Projeto de Circuitos Integrados Analógicos
Introdução
A microeletrônica assumiu um papel de extrema importância no desenvolvimento tecnológico das últimas três décadas. A capacidade de miniaturização dos componentes eletrônicos possibilitou o desenvolvimento de equipamentos complexos, de baixo custo e elevada confiabilidade. Podemos afirmar que, virtualmente, todas as áreas de atuação da humanidade, de alguma forma, utilizam circuitos integrados. Isto pode ser observado na indústria automotiva, nas telecomunicações, na medicina, no setor de alimentos e criação de animais (com chips de identificação digital), na informática, na área de entretenimento e muitas outras. Por isso, o domínio da técnica de projeto de circuitos integrados e de sua fabricação tem sido encarado como um setor estratégico pelas nações desenvolvidas. Observamos países que não possuem reservas minerais e fósseis, e nem tão pouco área para produção de alimentos, acumularem riquezas oriundas da comercialização de circuitos integrados com elevado valor agregado; como exemplo, alguns países asiáticos. No Brasil, o desenvolvimento tecnológico na área de microeletrônica ainda reside, em grande parte, nas universidades. Torna-se necessária a formação de uma massa crítica de projetistas de chips, de forma a criar as condições necessárias para a indústria nacional projetar seus próprios circuitos integrados. Este papel cabe, em grande parte, aos pesquisadores professores que atuam nas instituições de ensino.
Observamos atualmente um pequeno número de teses de mestrado e doutorado sendo produzidas em algumas universidades que possuem área de pesquisa em microeletrônica. Mas a demanda de alunos de pós-graduação com interesse focado em microeletrônica tem aumentado significativamente, e isto cria condições ótimas para o desenvolvimento da pesquisa.
Atualmente, podemos dividir a microeletrônica em duas grandes áreas: a área exclusivamente digital, responsável pelo desenvolvimento de processadores e microcontroladores; a área de sinais mistos, responsável pelo desenvolvimento de circuitos para o processamento analógico de sinais, contínuos e discretos no tempo, e conversores Analógico-Digital (AD) e Digital-Analógico (DA). Uma nova área tem se destacado nos últimos anos, a micro-electro-mechanical systems, comumente referida com MEMS, que une microcircuitos com microestruturas móveis, por exemplo, os acelerômetros utilizados em smartphones.
Um novo campo de aplicações da microeletrônica ganhou ênfase nos anos recentes que é a Internet das Coisas, IoT (Internet of Things), que tem arrebanhado tanto a microeletrônica digital quanto a analógica e o MEMS. Os dispositivos de IoT são instalados nas mais diversas aplicações, com o objetivo de monitoramento e controle remoto de determinados utilitários, como por exemplo, ar condicionado, refrigeradores, lâmpadas LED, automóveis, vestimentas inteligentes, etc... A área digital dedica-se basicamente às tarefas de comunicações de dados dos dispositivos IoT, enquanto a área analógica dedica-se ao interfaceamento com o domínio digital de grandezas físicas, como: tensão, corrente, temperatura, velocidade, pressão, etc...
A grande maioria dos circuitos integrados é baseada na tecnologia CMOS, Complementary Metal Oxide Semiconductor, devido à sua capacidade de miniaturização e concentração de transistores. Os requisitos necessários ao desenvolvimento da pesquisa e, consequentemente, o projeto de circuitos integrados analógicos soma o profundo conhecimento do funcionamento do transistor MOS e seus modelos matemáticos, da análise de circuitos, das técnicas de simulações de circuitos elétricos, da teoria de processamento de sinais, das técnicas específicas para o desenho dos layouts das máscaras de integração e a destreza na utilização de software dedicado ao projeto de circuitos integrados.
Uma vertente da microeletrônica que tem se destacado e arrebanhado muitos esforços de pesquisa é a área de circuitos integrados com tolerância à variação de temperatura. Estes circuitos têm aplicações mandatórias em IoT e na indústria automobilística. Dispositivos eletrônicos utilizados para monitoramento de sinais em ambientes diversos estão sujeitos às grandes variações de temperatura ambiente. Como exemplo, os automóveis possuem muita eletrônica embarcada dentro do cofre do motor, onde a temperatura pode variar de ‑40℃ a 175℃. Variações de temperatura tão extensas afetam catastroficamente a polarização e o ganho dos amplificadores integrados, tornando-os inoperantes. Neste contexto, é primordial o desenvolvimento de estruturas que sejam autocompensadas com relação à variação de temperatura, de forma a manter a polarização e o ganho dos amplificadores aproximadamente inalterados.
Este trabalho de pesquisa tem como objetivos o projeto, implementação e testes de elementos básicos de circuitos integrados CMOS, tais como: transcondutores, OTA, com transcondutâncias insensíveis ás variações de temperatura, e elevada excursão de sinal de entrada; OTA com entrada em modo de corrente, para aplicações no projeto de filtros contínuos no tempo; estudo e implementação de topologias de OpAmp e OTA com transistores PMOS na configuração DTMOS (dynamic threshold voltage MOSFET), com aplicações em circuitos de baixa tensão de alimentação; aplicação de algoritmos baseados em meta-heurística como Algoritmo Genético (GA) e Simulated Annealing (SA), para o dimensionamento de circuitos de elevada complexidade de projeto. Estes elementos básicos são fundamentais no projeto de circuitos integrados para aplicações tais como: sistemas de comunicações com ou sem fio (radiofrequência); filtros limitadores de banda, aplicados em processamento de sinais e sistemas de conversão AD e DA; interfaceamento de transdutores.
Objetivo
Neste trabalho serão desenvolvidos circuitos integrados e métodos para dimensionamento dos componentes com aplicações diretas ou indiretas nas áreas citadas acima. Os temas propostos a seguir estão dimensionados para um período de pesquisa e desenvolvimento de dois anos.
1- Aplicação do Algoritmo Genético e do Simulated Annealing, com mutações e sorteios de valores guiados, para o dimensionamento de Amplificadores Operacionais e Amplificadores Operacionais de Transcondutância, na tecnologia CMOS.
Os Amplificadores Operacionais (OpAmp) e os Amplificadores Operacionais de Transcondutância (OTA), na tecnologia CMOS, são elementos básicos no projeto de circuitos integrados analógicos, tais como: filtros; sensores; amplificadores de sinais; processadores analógicos de sinais; conversores analógico digitais e digital analógicos; etc...
Com a tendência em reduzir o comprimento mínimo de canal nos transistores CMOS, as equações que modelam os transistores são não lineares e de elevada complexidade. Os simuladores, dentre eles o SPECTRE que é o mais utilizado, possuem modelos matemáticos muito precisos para descrever o MOSFET, e contam com centenas de parâmetros, o que os tornam absolutamente inviáveis para cálculos manuais. Alguns modelos simplificados são utilizados para realização de cálculos manuais. Porém, nos processos de integração modernos os resultados obtidos ficam distantes daqueles apresentados pelos simuladores, e os parâmetros dos transistores precisam ajustados com o auxílio do projetista. A capacidade de realizar ajustes com o auxílio do simulador exige uma ampla experiência de projeto e muito conhecimento sobre o circuito, por parte do projetista.
Com o intuito de sistematizar o projeto de circuitos sem que seja necessário a interação do projetista com o simulador, algoritmos baseados em meta-heurística têm sido propostos como forma de otimizar os parâmetros dos transistores, de forma que o circuito atenda a um conjunto de funções objetivos, [1]-[3]. Em [1] foi apresentado o projeto de um filtro passa banda em modo de corrente, utilizando Algoritmo Genético (GA) para o dimensionamento dos transistores. Os parâmetros dos transistores são escolhidos pelo algoritmo e o circuito é simulado no simulador, com os modelos de alta complexidade dos transistores. As medidas são realizadas no simulador e GA faz novos ajuste, até alcançar as funções objetivo. Este processo é automático, e supervisionado por um programa de computador. Porém, o número de interações com o simulador é muito elevado. Em [2] o GA foi utilizado para o dimensionamento de um OpAmp, mas com uma diferença em relação ao apresentado em [1]. Neste caso, as mutações são guiadas segundo um critério que depende da experiência do projetista. Os resultados foram muito bons em relação ao GA convencional, mostrando uma redução significativa do número de interações com o simulador, e alcançando um erro em estabilidade menor.
Neste projeto eu proponho investigar a aplicação do GA no projeto de OpAmp e OTA, mas com mutações guiadas por equações de projeto oriundas de modelos simplificados dos MOSFET. Também proponho investigar a aplicação do Simulated Annealing, com o sorteio dos parâmetros dos transistores guiados por equações de projeto oriundas de modelos simplificados dos MOSFET, no projeto de OpAmp e OTA, e estabelecer uma comparação entre os dois algoritmos. Em ambos os casos, a variação de temperatura será considerada como função objetivo, utilizando modelos para variação de parâmetros do MOSFET com a temperatura [4]-[5].
2- Aplicação do DTMOS no Projeto de Amplificadores Operacionais de Transcondutância com Elevada Linearidade.
O OTA é um dos dispositivos mais usados na microeletrônica analógica, e existem muitas topologias propostas, cada uma explorando um aspecto do circuito, como: ganho de transcondutância, gm; impedância de saída; resposta em frequência; consumo de potência; excursão de sinal de entrada e de saída; linearidade; etc. Uma das aplicações mais importantes do OTA é no projeto de filtros contínuos no tempo (OTA‑C).
A constante redução na litografia dos processos CMOS tem levado também a uma redução na tensão máxima de alimentação dos transistores. Isso facilita o projeto de circuitos integrados digitais, mas dificulta o projeto de circuitos analógicos, pois reduz a excursão de sinal de tensão. Uma técnica que tem sido adotada recentemente é o DTMOS, Dynamic Threshold MOS, que consiste em conectar o terminal de substrato à porta do MOSFET, Fig. 1, e isto reduz dinamicamente a tensão de threshold do transistor, devido ao efeito de corpo. Com a redução da tensão de threshold, a excursão de sinal aumenta, viabilizando o projeto do circuito analógico em baixa tensão. Alguns trabalhos [4]-[6] foram publicados, e demonstraram uma melhora no desempenho de alguns circuitos analógicos em baixa tensão utilizando o DTMOS. Em [5] e [6] foram apresentados dois OTA, com transistores na configuração DTMOS, operando com baixa tensão de alimentação, e o projeto de um filtro OTA‑C foi desenvolvido como exemplo de aplicação, tendo sido obtidos resultados superiores aos do filtro equivalente sem o uso do DTMOS.
Figura 1: DTMOS
Um aspecto importante do OTA é sua linearidade em função da excursão de sinal de entrada. OTAs compostos por amplificadores diferenciais simples possuem baixa linearidade e pequena excursão de sinal de entrada. Quando usados em filtros OTA‑C, o sinal de entrada tem que ser mantido com amplitude baixa para evitar distorção harmônica elevada. Porém isso reduz a relação sinal-ruido, e compromete a aplicação desses filtros em sistema de conversão analógico digitais.
Em [6] foi apresentado o projeto de um OTA para baixa tensão de alimentação, 1,8 V, utilizando o DTMOS, conforme a Fig. 2. Porém o OTA desenvolvido utiliza um par diferencial de entrada simples, o que limita a excursão de sinal a algumas dezenas de milivolts, de forma a evitar elevada distorção harmônica. Neste trabalho, eu proponho a substituição do par diferencial simples de entrada pelo par diferencial de elevada excursão de sinal proposto em [7], mas utilizando o DTMOS para viabilizar seu projeto com baixa tensão de alimentação, conforme a Fig. 3. Serão desenvolvidas as equações de projeto e as análises de desempenho comparativas com os circuitos já existentes.
Figura 2: OTA proposto em [6].
Figura 3: OTA proposto neste trabalho, com par diferencial de elevada excursão de sinal e utilizando DTMOS.
3- CDTA - Current- Differencing Transconductance Amplifier
O CDTA é um transcondutor, cuja corrente de saída é indiretamente controlada
pela diferença entre duas correntes de entrada, .
Esta diferença de correntes é aplicada a uma carga ZL, que
produz uma tensão VZ. Esta tensão controla duas correntes de
saída, Ix1,2, através do fator de transcondutância gm.
As correntes Ix1,2 podem ter sentidos positivo ou negativo,
com qualquer combinação, dependendo da aplicação. A Fig. 4 apresenta o diagrama
de blocos do CDTA.
Figura 4: Diagrama de blocos do CDTA.
O CDTA é empregado no projeto de filtros contínuos no tempo em modo de corrente [8]. Os circuitos analógicos em modo de corrente são mais apropriados às tecnologias CMOS de baixa tensão de alimentação, pois as variações de tensão nas entradas de corrente são muito pequenas. Em [9] foi apresentada uma estrutura para o CDTA, Fig. 5, e sua aplicação no projeto de um oscilador e de um filtro contínuo no tempo. O CDTA é composto por uma Unidade de Subtração de Corrente e um OTA. O OTA empregado possui par diferencial de entrada simples, e, consequentemente tem excursão de sinal de entrada limitada a algumas dezenas de milivolts.
A proposta deste trabalho é aprimorar o OTA do CDTA, aumentando a sua excursão
de sinal de entrada. Proponho utilizar o par diferencial apresentado em [10],
que é composto por infinitos pares diferenciais simples e idênticos em
paralelo, polarizados cada um por uma corrente IB, mas com as
curvas de transcondutâncias deslocadas de ∆V
em ∆V,
conforme a Fig. 6a. Neste caso, a transcondutância é dada por ,
e a curva de transcondutância é plana. Evidentemente, não é possível projetar
infinitos pares diferenciais em paralelo, mas pode-se realizar uma aproximação
com N pares em paralelo, conforme a Fig. 6b.
Figura 5: CDTA proposto em [9].
(a) (b)
Figura 6: Amplificador diferencial com gm constante: a) infinitos pares diferenciais em paralelo; b) N pares diferenciais em paralelo.
Na Fig. 7 é apresentado um exemplo de amplificador diferencial com sete pares diferenciais em paralelo, a ser usado no OTA do CDTA, aumentando a excursão de sinal de entrada, e, consequentemente, reduzindo a distorção harmônica nos sinais de corrente Ix1 e Ix2. Os deslocamentos de tensão ∆V são gerados pela rede de resistores em série. O elevado número de pares diferenciais não afeta significativamente a área de silício ocupada pelo circuito integrado, pois cada par diferencial é composto por transistores de tamanho pequeno, quando comparados aos transistores do par diferencial simples em [9]. Desta forma, a área total não é muito maior do que em [9].
Figura 7: Amplificador diferencial com sete pares em paralelo.
Metodologia de Desenvolvimento
A metodologia a ser empregada na execução deste projeto de pesquisa consiste das seis fases a seguir:
1 – Pesquisa bibliográfica para determinar as técnicas já existentes, aplicadas às propostas de pesquisa.
2 – Análise teórica em busca de soluções para os problemas alvos.
3 – Desenvolvimento de ferramentas computacionais para auxiliar no projeto dos circuitos, usando a linguagem de programação Phyton.
4 – Projeto dos circuitos e simulações em computador, utilizando o simulador SPECTRE da plataforma CADENCE, para validação teórica das soluções propostas.
5 – Projeto do layout dos circuitos integrados e simulações dos circuitos extraídos dos layouts, utilizando o simulador SPECTRE da plataforma CADENCE, para a verificação dos efeitos das capacitâncias parasitas, e consequente refinamento.
6 – Comparação dos resultados obtidos com os da literatura.
Referências
Bibliográficas
[1] Asmae, El Beqal; Bachir,
Benhala; Amel, Garbaya; Mouna, Kotti; Mourad, Fakhfakh; Izeddine, Zorkani,
“Synthesis of a current mode second order band pass filter using the Genetic
Algorithm”, 2019 International Conference on Optimization and Applications,
ICOA 2019, pp. 1-5.
[2] Zhou, Ranran;
Poechmueller, Peter; Wang, Yong, “An Analog Circuit Design and Optimization
System with Rule-Guided Genetic Algorithm”, IEEE Transactions on
Computer-Aided Design of Integrated Circuits and Systems, 2022.
[3] Balaskas, Konstantinos;
Zervakis, Georgios; Amrouch, Hussam; Henkel, Jorg; Siozios, Kostas, “Automated
Design Approximation to Overcome Circuit Aging”, IEEE Transactions on
Circuits and Systems I: Regular Papers, 2021, vol. 68, issue. 11, pp.
4710-4721.
[4] Toledo, P.; Timbo, R.;
Cordova, D.; Klimach, H.; Bampi, S.; Fabris,E., “A
0.7V Fully Differential First Order GZTC-C Filter”, Proceedings - SBCCI 2016:
29th Symposium on Integrated Circuits and Systems Design: Chip on the
Mountains, 2016, Brazil, pp. 1-6.
[5] Fonseca, Adriano V.;
Khattabi, Rachid El; Afshari, William A.; Barúqui, Fernando A. P.; Soares,
Carlos F. T.; Ferreira, Pietro Maris, “A temperature-aware analysis of latched
comparators for smart vehicle applications”, Proceedings of the 30th Symposium
on Integrated Circuits and Systems Design Chip on the Sands - SBCCI 2017,
Brazil, pp. 1-6.
[6] Singh, Pratibha; Prerna;
Sharma, Kanika, “Design and Analysis of DTMOS based Operational
Transconductance Amplifier”, Proceedings of the 6th International Conference on
Communication and Electronics Systems, ICCES 2021, pp. 237-241.
[7] Krummenacher, Francois;
Joehl, Norbert, “4-MHz CMOS Continuous-Time Filter with On-Chip Automatic
Tuning”, IEEE Journal of Solid-State Circuits, 1987, vol. 23, issue. 3, pp.
750-758.
[9] Kumar Rai, Shireesh;
Gupta, Maneesha, “Current differencing transconductance amplifier (CDTA) with
high transconductance and its application in filter and oscillator”, Optik,
March, 2021, vol. 127, issue. 6, pp. 3388-3396.
[10] Pro, Vladimir I; Ave, Mountain; Hill,
Murray, “V-I Converters with Transconductance Proportional to Bias Current in
any Technology”, 2000 IEEE International Symposium on Circuits and Systems
(ISCAS), May, 2000, pp. 28-31.